A
pletora de livros que não lemos e que descansam ao nosso lado, em nossa
biblioteca, ou em alguma livraria, à nossa espera. Isto deve ser para nós motivo
de júbilo e não de desespero. (O único desespero real é o acúmulo irracional,
porque compulsivo, de livros; ou, como alertava Schopenhauer, acreditarmos que
a simples posse material de um livro nos dará acesso ao seu conteúdo). O desejo
sincero de ler tudo o que nos interessa – mesmo que esse “tudo” seja superior à
capacidade de uma vida – enche nossa vida de esperança, acena para um futuro de
agradáveis encontros, nos segreda a possibilidade constante e real de uma
virada em nossa existência. Quem tem muita coisa para ler não tem pressa de
morrer. Olho para a estante à minha frente e vejo os dois volumes de “A Cidade
de Deus”, de Santo Agostinho. Eu sei que preciso lê-los um dia. Talvez nas
próximas férias, quem sabe. Aqueles dois volumes são dois faróis de esperança
em minha vida... e se, lendo-os, eu me tornar outro, alguém melhor? Nem todas
as promessas e expectativas positivas que compactuamos com a leitura se
cumprem. Isso é óbvio e não deve nos entristecer ou desestimular. Uma esperança
não cumprida que, de qualquer forma, nos move em busca do autocultivo já não
pode ser creditada como tempo perdido; além disso, um grande livro que nos
decepciona hoje pode nos ser fundamental amanhã – quase todo leitor tem uma
história dessa natureza para contar. Os livros que ainda não lemos, mas que acreditamos
com sinceridade que precisamos ler, contêm em potencial a nós mesmos numa
versão, seja em que ponto for, melhorada.
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