Em A
ficção e o poema, lançado em agosto de 2012, Luiz Costa Lima dá
prosseguimento à sua indagação da mímesis
iniciada em Mímesis e modernidade, de
1980, e retomada em livros como Vida e mímesis
(1995) e Mímesis: desafio ao pensamento
(2000). A reconsideração daquele conceito tem levado Costa Lima, ao longo de
mais de três décadas, a reelaborar categorias básicas do pensamento – não
apenas estético, diga-se de passagem – do Ocidente, engendrando noções conceituais
e hipóteses importantes como as de mímesis
da representação e mímesis da
produção, controle do imaginário,
sujeito fraturado, representação-efeito e agora, neste novo
livro, o conceito de mímesis-zero,
inicialmente sugerido ao autor por duas colaboradoras, Aline Magalhães Pinto e
Laíse Araújo.
A
ficção e o poema é
composto por um preâmbulo – em que o autor, apoiado em Kant, Freud e René
Girard desenvolve a noção de mímesis-zero – e três partes de maior fôlego,
relativamente independentes entre si. O que vem a ser a mímesis-zero? Costa
Lima, ao fim do preâmbulo, após passar pelas contribuições do trio há pouco
citado, resume a questão: “Mímesis-zero
equivale a dizer que não contém figuras ou linhas de força configuradas. Ela é
um como se, isto é, algo que, em estado de gestação, se for plenamente diante,
será um objeto ficcional. Mímesis
sem movimento porque mera potencialidade. Enquanto potencialidade, ela é uma mancha
ou nebulosa tocada pela libido. A junção entre mancha psíquica e libido significa
que algo ou alguém, uma paisagem ou quem a atravessou, ali deixou uma marca que,
por enquanto, provoca tão só uma impressão, no entanto duradoura” (p. 26). Infelizmente,
o potencial que a mímesis-zero abriga tende antes a se dissipar do que a se condensar
em obra – isso porque à sociedade interessa mais que a tradição se confunda com
um depósito de estereótipos, pois assim seus membros se tornam mais ordeiros e menos
questionadores. A sensação de insuficiência de teorização da mímesis-zero é notória,
mas como sabemos que cada livro de Costa Lima, pelo menos desde Mímesis e modernidade, retoma e aprofunda
o seguinte, é quase certo que o autor retomará o problema.
Na parte I, Costa Lima se debate com Adorno e
Derrida – naquele o autor brasileiro vislumbra uma proposta estética
autoritária e com ressaibos teológicos que, ao exasperar o confronto da arte
autônoma com a sociedade, acaba por tornar-se o reverso de uma teoria mimética
da arte, ainda que o alemão tenha se ocupado com a mímesis; no pensador francês Costa Lima aponta, após um estudo cerrado
de ensaios seminais como “La double séance” e “La mythologie blanche”, o equívoco
de conceber a mímesis como o avatar
da metafísica da presença. Contra o antirrepresentacionalismo de Derrida e a
negatividade estética de Adorno com sua absoluta autonomização da arte, Costa
Lima propõe, como vem fazendo desde Mímesis:
desafio ao pensamento, que se tome a representação não como uma imagem fiel
de algo prévio que se forma em um sujeito passivo, mas como o efeito da
interação entre as propriedades de um objeto ou uma cena com as propriedades do
sujeito (daí o uso, por parte do autor, do termo representação-efeito). Ora,
essa noção de representação-efeito, que Costa Lima deve muito a Wolfgang Iser,
como ele mesmo reconhece, afasta a mímesis da “metafísica da presença” (Derrida) sem que seja preciso admitir, como faz o
filósofo francês, que o texto literário é uma deriva sem pouso, um eterno
adiamento do encontro entre signo e referente.
A parte II versa essencialmente sobre a
questão da poesia em Heidegger; aqui Costa Lima demonstra que o discurso do filósofo
acerca da poesia é menos demonstrativo que persuasivo (basta observar-se a
linguagem nitidamente epifânica – quase uma “retórica sacra” – do pensador
alemão). Assim, por exemplo, a postulação heideggeriana de que a poesia instala
para o homem a morada de seu ser é nada menos que uma arbritariedade cujo pano
de fundo é a entronização do poeta, do pensador e do chefe de Estado (criadores
por excelência), reduzindo as demais criaturas – técnicos, cientistas, o homem
cotidiano – à condição de instrumentos para aqueles. Deve-se, ainda, ao menos
sob um ponto, desconfiar-se da entronização do poeta levada a cabo pelo
pensador germânico: ainda que reconheça na poesia a dignidade reflexiva,
Heidegger acaba fazendo com que suas análises de poetas, especialmente de
Hölderlin, seja tão só a corroboração do pensamento ... de Heidegger. Costa
Lima não hesita em afirmar que “a poética proposta por Heidegger não se
limitava a exaltar seus próprios filosofemas, senão que convertia a arte em
porta-voz de uma Alemanha por ele mesmo privilegiada” (p. 154). Daí que o
brasileiro corrobore a asserção de Lacoue-Labarthe de que a poética de
Heidegger constitui, na verdade, um “nacional-esteticismo”.
Na parte III, Costa Lima busca concretizar
suas teorizações a partir da análise da obra poética de quatro autores: Antonio
Machado, W. H. Auden, Paul Celan e Sebastião Uchoa Leite. O ponto alto dessas
análises é, sem dúvida, a parte dedicada a Celan, onde a reflexão sobre
assuntos controversos como a relação entre ficção e poema, ou questão da metáfora,
ou as relações entre poesia e biografia atinge píncaros de agudeza e
complexidade.
Luiz Costa Lima nasceu em São Luís do
Maranhão, em 1937, tendo sido levado ainda muito jovem para Recife. É professor
emérito da PUC-RJ. Recebeu da Alexander von Humboldt-Stiftung (Alemanha), em
2004, o prêmio de pesquisador estrangeiro do ano, na área de Humanidades. Em
2011, a Universidade de Queensland (Austrália) realizou o colóquio “Mimesis and
culture”, dedicado à sua obra.