Teresina
está passando por um lento processo de desguetização cultural. O aldeamento que
a marcou, bem como ocorrera a outros centros culturais do país, começa a ressoar
seus últimos ecos – e, assim, a literatura aqui produzida, a cultura em geral
feita aqui, começa a ser pensada integrada aos dilemas e sucessos nacionais,
diria mesmo globais. Com isso, não se nega a especificidade da produção local;
nega-se, isto sim, que estejamos ilhados do resto do país e do mundo.
Em
médio ou longo prazo, essa situação deverá galvanizar um debate em torno da
velha noção de “Literatura Piauiense”. Precisaremos – penso que já precisamos, agora – reconsiderar o conceito de
literatura regional, seja para precisá-lo seja para implodi-lo. Em curto prazo,
porém, revistas como a dEsEnrEdoS, Revestrés
e este belíssimo rebento chamado Acrobata vão capinando o
terreno, devastando as ervas daninhas que criavam falsas cercas entre terrenos
vizinhos. Claro que não se pode reduzir a importância de tais veículos a esse
processo de desguetização cultural – mas, sem dúvida, aquela tarefa se conta
entre as mais relevantes missões de tais veículos.
Embora
debutante, Acrobata vem encabeçada
por editores calejados de outras experiências culturais de relevo. Tom Jobim
falou, certa vez, que o Brasil não é um país para principiantes; pois bem, se
pensarmos especificamente no campo cultural, a frase do eminente músico ganha
um sentido agônico. A experiência dos editores, portanto, é um dado relevante,
que me faz acreditar que estamos diante de um empreendimento que terá boa
longevidade. Não será fácil porque Acrobata
surpreendente tanto pela qualidade dos textos como pela qualidade material, sem
dúvida uma das mais revistas visualmente mais agradáveis de que tenho notícia
no país.
Acrobata une criação e
crítica numa dosagem perfeita, e com dois méritos extras. O primeiro é não se
limitar à literatura, ainda que esta seja o epicentro da publicação; a segunda
é que os ensaios ali presentes nem se excedem nos protocolos acadêmicos nem se
restringem à mera reportagem informativa.
A perspectiva do veículo contempla principalmente a literatura de invenção, a arte mais experimental, mas nem de longe se nota em suas páginas ou nas palavras dos editores qualquer laivo de dogmatismo ideológico ou unicismo estético.
A perspectiva do veículo contempla principalmente a literatura de invenção, a arte mais experimental, mas nem de longe se nota em suas páginas ou nas palavras dos editores qualquer laivo de dogmatismo ideológico ou unicismo estético.
Cada
um, a depender de seu temperamento e de sua formação, há de se agradar mais
desse ou daquele texto. Trata-se, reforço, de um veículo plural. E com nada
menos que uma centena de páginas. Entre muita coisa de boa cepa, e algumas poesias
que não quero voltar a ler, destaco os poemas excelentes dessa ótima poetisa de
São Tomé e Príncipe: Conceição Lima. Só ela já pagaria o preço da revista. Mas
isso é só uma parte: há uma entrevista com Sergio Cohn que considero nada menos
que histórica (o que não significa que eu concorde com tudo que se diz ali), um
ensaio elucidativo de Nayhd Barros sobre Godard e um interessante depoimento de
Edson Cruz sobre as revistas literárias no Brasil. Posso falar de outras surpresas
boas de conviver, posso destacar o pagode da poesia promovido por Thiago E, a
expressão exata do verso de Salgado Maranhão, a pureza lírica dos traços de
Cícero Manoel. E, claro, não deixarei de mencionar que colaboro ali com um
ensaio sobre “A cena poética de Teresina”.
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