O
Facebook está cheio de frases atribuídas a Clarice Lispector, muitas delas de
um gosto bastante duvidoso. No início, assim como ocorreu a muitos cultos e pseudocultos
que conheço, eu fiquei irritado com essas falsas atribuições. Mas parei,
reparei e reconsiderei. Posso e devo, como professor, avisar a meu aluno do
engano, mas considerar só o lado negativo de tal engano é uma atitude
precipitada.
Em
primeiro lugar, quase 100% das frases não clariceanas atribuídas a Clarice tem
um quê clariceano, uma nesga epifânica, certa sabedoria do corpo em primeiro
plano ou aquela alegria trágica que por vezes me desagrada, porque me parece, com todo
respeito, brega. Em segundo lugar, se o povo (ai, que ninguém me peça para
definir “povo”!) dá de presente essas frases a Clarice, é porque a admira e a respeita.
Se muita gente valoriza e repassa essas frases sem se dar conta de como muitas
vezes são bobinhas é porque o nome da autora pesa muito, tem autoridade, é
admirado. Isto pode uma vez ou outra ser opressivo (como os pós-estruturalistas
Barthes e Foucault pensavam), mas quase sempre é apenas um gesto de humildade,
pequeno mas importante, sem o qual é mais difícil apreendemos a fundo um autor.
Um dos grandes desastres das nossas pós-graduações é achar que, em leitura, a hermenêutica
crítica pode preceder, e até substituir, a hermenêutica compreensiva.
Quem
nunca colecionou como pérola frases imbecis de roqueiros, lidas na Bizz ou na
Rock Brigade, que atire a primeira pedra. Eu colecionei, boa parte de meus
amigos e amigas fizeram o mesmo. O intelectual gosta de fantasiar sua biografia
e ver-se lendo Dostoievski e Kafka aos 12 ou 13 anos; mas a verdade é que muita
gente, incluindo a minha pessoa, a essa idade ainda estava na Turma da Mônica ou,
no máximo, na série Vagalume. Antes de ler Sartre, Dostoievski, Shakespeare e
Nietzsche eu colecionava aforismos deles – ou atribuídos a eles. E mais: ficava
esperando uma ocasião adequada para soltar um aforismo no meio dos meus amigos
e me passar por inteligente. Eu guardava com ciúme as frases de Shakespeare e
pedia a Deus (sem acreditar em Deus) que não me permitisse morrer antes de ler
Shakespeare. Não acho impossível que uma parte dos leitores das pérolas clariceanas
via Facebook procurem pelos livros delas. As falsas atribuições, como sabia Jorge
Luis Borges, também enriquecem o patrimônio literário.
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