Há os que escrevem munidos de tanta
informação e leitura que se esquecem de interpretar.
O texto tem a vantagem de mostrar caminhos, sugerir fontes bibliográficas
preciosas, mas é zero em empenho pessoal.
Este é um estilo comum na academia universitária. Há os que tergiversam, mas
têm medo da liberdade e chamam logo uma autoridade, para dar à escrita um
verniz de erudição. O problema é que a citação fica mal engastada ou, pior
ainda, revela uma falha no espírito do escritor, seja a presunção, o
exibicionismo ou a ingenuidade. Certa vez, numa polêmica em que me envolvi, um
idiota me admoestou: “Você não viu? Eu cito Freud e Foucault, quem é você pra
dizer que eles estão errados?”. Este é também um estilo comum na academia universitária:
a citação não-encoste-em-mim-que-eu-estou-bem-guardado. Os citados, neste
estilo de escrever, tornam-se Leões de Chácara. Outro estilo comum é o do
safado que se passa por distraído (ou do distraído que se tornou safado). Ele
põe a idéia como dele, ou então, num requinte de crueldade, cita um autor A
quando sua verdadeira fonte é um autor Z. Aquela coleção propedêutica famosa da
Brasiliense, chamada “Primeiros Passos”, tem muito disso e em palestra é
bastante comum. Há também os que não gostam de citar, sem serem nem mal
informados nem desonestos. Estes ou escrevem num estilo oracular, cheio de
aforismos, dando ao escrito um sentido de revelação (no sentido religioso do
termo); ou se expressam de modo antiintelectual, partindo da vida, do burburinho
cotidiano. É preciso muita grandeza pra se dar bem nessas duas formas de
escrita; é preciso ter lido muito, conversado com muita gente qualificada,
freqüentado muito o mundo acadêmico – para depois mandar tudo às favas. Esses
estilos de citar me parecem todos desaconselháveis. Um desejo presunçoso quer
me empurrar a mostrar a outra face da moeda: o que seria uma boa citação, uma
citação correta e adequada. Mas não sou tolo a tal ponto, até porque desconfio
que: 1) não há uma, mas várias maneiras de citar correta e adequadamente,
dependendo do gênero textual em que se trabalha e a que tipo de leitor o texto
se destina; 2) não sou exemplo citador diuturnamente correto. Por fim, como se
trata de uma nota sobre citação, gostaria de citar o trabalho mais denso e
original que conheço sobre o tema: O
trabalho da citação, de Antoine Compagnon. Não se trata de mais um manual
de metodologia que classifica os tipos de citação e indica o procedimento de
fazê-las; trata-se antes de uma pesquisa interdisciplinar, regida por alguém
que se sente à vontade em diversos domínio, como a lingüística, a retórica, a
crítica literária e a filosofia.
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