Em
suas animações, Hayo Miyazaki produz uma crítica à técnica que, tecnicamente,
constitui um deslumbre para os nossos olhos e um saudável susto para nossa
imaginação. Tal crítica se assenta num ecologismo cuja mensagem não é das mais
novas: a sociedade industrial-tecnológica dessacralizou a natureza, transformando-a
em mera fonte de fornecimento de matéria-prima. Miyazaki é um nostálgico;
anseia por uma natureza não esquadrinhada pela ambição humana, uma natureza
habitada por entidades mágicas e míticas. E aposta na inocência infantil como
possibilidade religação (religare) do homem com as forças mágicas da Grande
Mãe. Apesar dessa profissão de fé na criança, o mundo adulto não é caricaturado:
não há maniqueísmos em Miyazaki, mas apenas um desejo de compreender as ações
humanas, mesmo as más.
Ponyo
(2008), última produção de Miyazaki, mantém esse padrão discursivo, mas troca a
magia das florestas pela do mar. Trata-se, diga-se sem rodeios, de uma ousada e
bem-sucedida adaptação do conto “A pequena sereia”, de Hans Christian Andersen.
Brunhilde é uma peixinha muito curiosa e com cara de gente; Sosuke um menino
muito esperto, filho de um capitão de navio, que tem grande apreço ao mar. Brunhilde
conhece Sosuke, que a rebatiza como Ponyo; ela se apaixona por ele, prova do seu
sangue humano, começa a virar gente, transgride todos os valores que lhe foram
repassados. Este “amor” traz um perigo iminente ao planeta e faz com que homens
e míticos seres marinhos se encontrem. Ponyo precisa renunciar a sua condição
de ser mítico e entregar-se à Sosuke. Ela o faz; tudo fica bem: homem e
natureza religam-se.
Ponyo
não atinge os píncaros de imaginação apocalíptica de Nausicaa do Vale do Vento (1984), nem a complexa alegoria do
crescimento interior juvenil de A viagem
de Chihiro (2001), nem a lírica reversão do “adultocentrismo” de Meu vizinho Totoro (1988). Trata-se da
obra de um diretor maduro, dono de seus recursos e de sua mitologia pessoal,
que não tem por que arriscar. O desfecho parece uma concessão demasiado
generosa com o grande público, e fica aquém do arremate belamente trágico d’A
pequena sereia de Andersen.
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