Não considero justo
se duvidar do fervor religioso do cineasta católico Franco Zeffirelli, que foi,
aliás, cenógrafo de muitas importantes cerimônias papais. Mas, revendo trechos
de um filme seu, percebi o abismo que há entre o que se crê e o que se plasma
na forma artística. Na verdade, Zeffirelli, a meu ver, só comove os já
religiosos. Andrei Tarkovski, não: faz vibrar até a mais adormecida fé. De
brincadeira, disse a um amigo certa vez que Tarkovski, como Bach, era uma
máquina de comover hereges. Vejo que Zeffirelli nem sempre encontra, na
linguagem cinematográfica, recursos adequados para nos persuadir de sua fé. Em
Tarkovski cada plano desloca nossa percepção habitual e nos empurra, no mínimo,
para o Mistério. Esta diferença que eu encontro entre os dois cineastas (comum
também em outras artes) me parece que só pode ser bem percebida por quem tem
alguma sensibilidade estética (não obrigatoriamente conhecimento teórico da
linguagem cinematográfica). Por isso, é saudável duvidar de quem só vê conteúdo
nas obras de arte: há mais conteúdo religioso em Zeffirelli, e isso me enfara
(e acho que há de enfarar quem não for um carola).O Deus de Tarkovski é muito
mais difícil, mais denso, mais misterioso, menos falastrão - mais interessante.
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