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sexta-feira, 31 de agosto de 2012

Nanayo (2008), de Naomi Kawase


Nanayo (2008), como outros filmes da japonesa Naomi Kawase, é uma película sobre a reeducação sentimental, uma jornada em busca de cura interior. Mas se em outros filmes de Kawase o trauma da personagem principal era explicitado – o desaparecimento de um ente querido em Shara (2003), o luto em Floresta dos lamentos (2007) – aqui o motivo é nebuloso. Saiko, a protagonista, deixa o Japão e vai à Tailândia, onde desconhece o idioma local e se comunica com as pessoas, de forma precária, num inglês sofrível. Não se sabe se acidentalmente ou de propósito, ela chega a uma casa em meio ao verde da natureza, numa pequena vila, onde passa a conviver com um diminuto grupo, aprendendo a fazer massagem.

Seu problema ali é menos de ambientação – a natureza generosa do lugar e o comportamento zen das pessoas, todas visivelmente em recuperação de traumas, como Saiko, facilita a adaptação – que de comunicação. O idioma é a barreira. Uma japonesa, um francês e alguns tailandeses buscam se comunicar e aprender entre si rudimentos dos idiomas alheios. Esta impossibilidade de um falar fluido permite à Naomi Kawase explorar um dos pontos fortes de seu estilo: a sinestesia. A dimensão tátil e sonora, nos filmes da diretora, é tão relevante quanto a visual. Texturas, toques humanos, sons da natureza: tudo isto narra em Nanayo. Para isso, contribuem bastante, por um lado, o uso eficaz da câmera na mão (mimetizando a tensão interior de suas criaturas) e por outro, de forma mais relevante, a sensibilidade da diretora em captar os momentos de epifania vividos pelos personagens em situações aparentemente banais. Neste sentido, o cinema de Kawase, de poucos artifícios e muita sensibilidade e leveza, lembra muito aquele dos narradores sensíveis do cotidiano familiar, como Yasujiro Ozu (certamente seu mestre) e o Hou Hsiao-hsien de A viagem do balão vermelho e Café Lumière.

Impressiona como aquilo que é motivo de ostentação técnica e adesão à moda do dia em outros cineastas, quando tocados por Naomi Kawase, parece absoluta necessidade da narrativa. Assim é a câmera na mão, a narrativa não-linear e o apelo sinestésico. Todos estes recursos, em Kawase, reforçam seu estilo intimista, sua capacidade nada vulgar de representar a vida daqueles que se acham numa “crisálida” da qual esperam sair conciliados com o mundo. Conciliação que se dá, em geral, pelo despertar de um sentimento – não sei se digo poético, se digo religioso ou as duas coisas juntas – pela Natureza. Impressiona como ela se recusa a reduzir a natureza à simples moldura agradável de se ver ou à mãe generosa que nos dá o sustento material. Daí o intenso trabalho de sonoplastia sobre os barulhos oriundos da natureza, daí também o simbolismo da terra, do vento e, acima de todos, da chuva. Nos filmes de Kawase a natureza vive.

Nanayo, como outros trabalhos ficcionais da diretora, é ao mesmo tempo “parado” (levando em conta o padrão narrativo dos filmes americanos) e vívido, intenso; destoando da moda do dia, Naomi parte da vida para construir seus filmes e não de sua erudição cinematográfica. Afastando, dessa forma, seus personagens do pastiche, ela os faz extremamente próximos de nós. Não é à toa, portanto, que a dança de Saiko ao final do filme tenha para nós um poder catártico tão intenso.

Coisa rara, Nanayo e os demais filmes de Kawase valem-se do experimentalismo narrativo para aprofundar a compreensão dos sentimentos humanos, em vez de ser (como infelizmente não é raro se ver) mera exibição de picaretas que não conhecem nem a si próprios.    

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