Nanayo (2008), como outros
filmes da japonesa Naomi Kawase, é uma película sobre a reeducação sentimental,
uma jornada em busca de cura interior. Mas se em outros filmes de Kawase o trauma
da personagem principal era explicitado – o desaparecimento de um ente querido
em Shara (2003), o luto em Floresta dos lamentos (2007) – aqui o
motivo é nebuloso. Saiko, a protagonista, deixa o Japão e vai à Tailândia, onde
desconhece o idioma local e se comunica com as pessoas, de forma precária, num
inglês sofrível. Não se sabe se acidentalmente ou de propósito, ela chega a uma
casa em meio ao verde da natureza, numa pequena vila, onde passa a conviver com
um diminuto grupo, aprendendo a fazer massagem.
Seu
problema ali é menos de ambientação – a natureza generosa do lugar e o comportamento
zen das pessoas, todas visivelmente em recuperação de traumas, como Saiko, facilita
a adaptação – que de comunicação. O idioma é a barreira. Uma japonesa, um
francês e alguns tailandeses buscam se comunicar e aprender entre si rudimentos
dos idiomas alheios. Esta impossibilidade de um falar fluido permite à Naomi
Kawase explorar um dos pontos fortes de seu estilo: a sinestesia. A dimensão
tátil e sonora, nos filmes da diretora, é tão relevante quanto a visual.
Texturas, toques humanos, sons da natureza: tudo isto narra em Nanayo. Para isso, contribuem bastante,
por um lado, o uso eficaz da câmera na mão (mimetizando a tensão interior de
suas criaturas) e por outro, de forma mais relevante, a sensibilidade da
diretora em captar os momentos de epifania vividos pelos personagens em
situações aparentemente banais. Neste sentido, o cinema de Kawase, de poucos
artifícios e muita sensibilidade e leveza, lembra muito aquele dos narradores
sensíveis do cotidiano familiar, como Yasujiro Ozu (certamente seu mestre) e o
Hou Hsiao-hsien de A viagem do balão
vermelho e Café Lumière.
Impressiona
como aquilo que é motivo de ostentação técnica e adesão à moda do dia em outros
cineastas, quando tocados por Naomi Kawase, parece absoluta necessidade da
narrativa. Assim é a câmera na mão, a narrativa não-linear e o apelo
sinestésico. Todos estes recursos, em Kawase, reforçam seu estilo intimista,
sua capacidade nada vulgar de representar a vida daqueles que se acham numa “crisálida”
da qual esperam sair conciliados com o mundo. Conciliação que se dá, em geral, pelo
despertar de um sentimento – não sei se digo poético, se digo religioso ou as
duas coisas juntas – pela Natureza. Impressiona como ela se recusa a reduzir a
natureza à simples moldura agradável de se ver ou à mãe generosa que nos dá o sustento
material. Daí o intenso trabalho de sonoplastia sobre os barulhos oriundos da
natureza, daí também o simbolismo da terra, do vento e, acima de todos, da
chuva. Nos filmes de Kawase a natureza vive.
Nanayo, como outros trabalhos
ficcionais da diretora, é ao mesmo tempo “parado” (levando em conta o padrão
narrativo dos filmes americanos) e vívido, intenso; destoando da moda do dia,
Naomi parte da vida para construir seus filmes e não de sua erudição
cinematográfica. Afastando, dessa forma, seus personagens do pastiche, ela os
faz extremamente próximos de nós. Não é à toa, portanto, que a dança de Saiko ao
final do filme tenha para nós um poder catártico tão intenso.
Coisa
rara, Nanayo e os demais filmes de
Kawase valem-se do experimentalismo narrativo para aprofundar a compreensão dos
sentimentos humanos, em vez de ser (como infelizmente não é raro se ver) mera
exibição de picaretas que não conhecem nem a si próprios.
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