Digo intelectual
de província, e quero dar a esta expressão um sentido diferente do termo intelectual provinciano. E para
diferençá-los é preciso explicitar minha leitura do provincianismo.
Durante algum tempo, pensei o fenômeno do
provincianismo nos moldes que Nietzsche refletiu sobre o cristianismo em sua Genealogia da moral, isto é, eu lera o
provincianismo pela lente do ressentimento. O provinciano é um sujeito
ressentido com o centro, e incapaz de dar uma vazão nobre a este sentimento;
bajula servilmente os intelectuais do centro, compra suas idéias sem
pestanejar, para sublimar um ódio e uma inveja que ele raramente tem coragem de
assumir. Ergue, assim, seu aparamento cultural em seu terreiro e, aproveitando
o baixo nível do debate local, passa a cantar de galo.
Ainda pensarei assim hoje? Em linhas gerais,
sim. Mas é preciso matizar o argumento. O provincianismo tem causas históricas
muito visíveis, está enraizado na própria diferença econômica e cultural com
que se foi constituindo os estados brasileiros; sendo assim, a reação
provinciana é no mínimo compreensível. E, aqui e ali, ela deu seus bons frutos.
Pernambuco que o diga. Se bem que Pernambuco é (ou pelo menos foi) uma espécie,
digamos, de província imperialista.
O provincianismo é a filosofia do intelectual provinciano. Quanto ao
intelectual de província, trata-se em geral de um degredado. A província não o
olha ou ele não olha pra província: de qualquer modo, não se entendem; o centro
sequer sabe de sua existência. Ele pode viver esta situação de várias maneiras:
sossegadamente, aproveitando o anonimato para criar com mais liberdade; num
autofechamento orgulhoso que pouco ajuda; numa melancolia autocomplacente; ou
ainda em constante pé de guerra contra tudo e todos. Qualquer que seja a
possibilidade, o risco de considerar-se um gênio incompreendido é uma tentação
perigosa, que em geral leva ao desastre artístico e pessoal. O intelectual de
província, plantado em um rincão que considera inóspito e com a cabeça sempre
alhures, é ciente de viver com as “idéias fora do lugar” (Schwarz). Vive
dramaticamente, mesmo quando disfarça, esta condição. E pior: como se estive em
uma mise en abyme, ele habita uma
província dentro de uma província maior. Afinal, ele é brasileiro.
A tecnologia de que dispomos hoje, sobretudo
a Internet, ajuda o intelectual de província. Mas não o redime. Seria, aliás,
bastante desejável um estudo sobre o impacto da Internet nos debates
intelectuais das províncias.
Nenhum comentário:
Postar um comentário