Jorge Luis Borges não
apenas jamais escrevera um romance como considerava, ainda que com alguma
hesitação, que este gênero não passava de uma degeneração da epopéia. Para ele,
a distinção qualitativa mais notória entre a epopéia e o romance não vem a ser
a diferença entre prosa e verso. O fator está no tratamento dado à figura do
herói.
Na epopéia, o herói é
“um homem que é modelo para todos os homens” (In: Esse ofício do verso, 2000); a essência do romance centra-se, por
outro lado, na “aniquilação de um homem, na degeneração do caráter” (idem). Ou
seja: as narrativas de nossa época abdicaram do heroísmo, da vitória, da
felicidade (um romance moderno com final feliz só é possível na cultura do
baixo entretenimento). Mesmo a nossa poesia, na medida em que se “liricizou” e
abdicou de narrar aventuras, degenerou-se um pouco também. Na era do romance, o narrador deixou de fabular
aventuras capazes de congregar a comunidade e passou a se guiar pelo critério
da inventividade (de novas técnicas narrativas, de novos enredos).
Invariavelmente, porém, o romance conta uma mesma e monótona história: a
narrativa de uma Queda.
Por esses traços, o romance não consegue
aplacar nossa sede de aventura e heroísmo, que é uma necessidade estrutural do
espírito humano. “As pessoas” – afirma Borges – “estão famintas e sedentas de
épica” (idem). Se não o romance, quem então procurou suprir essa nossa carência
estrutural de narrativas heróicas?
Numa época em que vogavam as críticas mais
unilaterais e devastadoras sobre a assim chamada “cultura de massa”, Borges não
hesita em responder: “[...] foi Hollywood que abasteceu o mundo de épica. Por
todo o globo, quando as pessoas assistem a um faroeste – observando a mitologia
de um cavaleiro, e o deserto, e a justiça, e o xerife, e os tiroteios etc. –,
imagino que resgatem o sentimento épico, quer tenham consciência disso ou não”
(idem).
As idéias de Borges sobre o romance convergem
em muitos pontos com as de Hegel, Bakhtin, Lukács e, principalmente, Benjamin
(autores, aliás, que possivelmente Borges não gostaria de ver seu nome
associado, com exceção talvez de Benjamin). Um confronto de suas idéias com a
desses outros autores seria muito enriquecedor e serviria para estabelecer o
que de contribuição pessoal o argentino traz para o debate.
Nenhum comentário:
Postar um comentário