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terça-feira, 21 de agosto de 2012

O intelectual de província


Digo intelectual de província, e quero dar a esta expressão um sentido diferente do termo intelectual provinciano. E para diferençá-los é preciso explicitar minha leitura do provincianismo.

Durante algum tempo, pensei o fenômeno do provincianismo nos moldes que Nietzsche refletiu sobre o cristianismo em sua Genealogia da moral, isto é, eu lera o provincianismo pela lente do ressentimento. O provinciano é um sujeito ressentido com o centro, e incapaz de dar uma vazão nobre a este sentimento; bajula servilmente os intelectuais do centro, compra suas idéias sem pestanejar, para sublimar um ódio e uma inveja que ele raramente tem coragem de assumir. Ergue, assim, seu aparamento cultural em seu terreiro e, aproveitando o baixo nível do debate local, passa a cantar de galo.

Ainda pensarei assim hoje? Em linhas gerais, sim. Mas é preciso matizar o argumento. O provincianismo tem causas históricas muito visíveis, está enraizado na própria diferença econômica e cultural com que se foi constituindo os estados brasileiros; sendo assim, a reação provinciana é no mínimo compreensível. E, aqui e ali, ela deu seus bons frutos. Pernambuco que o diga. Se bem que Pernambuco é (ou pelo menos foi) uma espécie, digamos, de província imperialista.

O provincianismo é a filosofia do intelectual provinciano. Quanto ao intelectual de província, trata-se em geral de um degredado. A província não o olha ou ele não olha pra província: de qualquer modo, não se entendem; o centro sequer sabe de sua existência. Ele pode viver esta situação de várias maneiras: sossegadamente, aproveitando o anonimato para criar com mais liberdade; num autofechamento orgulhoso que pouco ajuda; numa melancolia autocomplacente; ou ainda em constante pé de guerra contra tudo e todos. Qualquer que seja a possibilidade, o risco de considerar-se um gênio incompreendido é uma tentação perigosa, que em geral leva ao desastre artístico e pessoal. O intelectual de província, plantado em um rincão que considera inóspito e com a cabeça sempre alhures, é ciente de viver com as “idéias fora do lugar” (Schwarz). Vive dramaticamente, mesmo quando disfarça, esta condição. E pior: como se estive em uma mise en abyme, ele habita uma província dentro de uma província maior. Afinal, ele é brasileiro.

A tecnologia de que dispomos hoje, sobretudo a Internet, ajuda o intelectual de província. Mas não o redime. Seria, aliás, bastante desejável um estudo sobre o impacto da Internet nos debates intelectuais das províncias.

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