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terça-feira, 21 de janeiro de 2014

12 aforismos de Antonio Porchia


Éramos eu e o mar. O mar estava só e só eu estava. Um dos dois faltava.

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Quase não toquei o barro e sou de barro.

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Meus olhos, por haverem sido pontes, são abismos.

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A dor não nos segue: caminha adiante.

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Um coração grande se farta com muito pouco.

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Quando me fizeste outro, te deixei comigo.

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O que somos é para algo que não somos.

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Ser alguém é ser alguém só. Ser alguém é solidão.

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E se o amor é o amor perdido, como encontrar o amor?

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Toda pessoa anônima é perfeita.

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Os sins e os nãos são eternidades que duram momentos.

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O que dizem as palavras não dura. Duram as palavras.
Porque as palavras são sempre as mesmas
e o que dizem não é nunca o mesmo.



Antonio Porchia (1885 - 1968) nasceu na Itália. Em 1900, após a morte de seu pai, mudou-se para a Argentina.  Escreveu o livro de aforismos “Voces”, sua única obra.  Teve entre seus admiradores André Breton, Jorge Luis Borges e Henry Miller.

segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

Paternidade


Sacrifício de Isaac por Rembrandt

Deus me deu o dom da paternidade. E o fato de eu ser pai é o princípio (arqué) de parte considerável dos meus gestos de bondade: como professor, como amigo, como cidadão. Essa convicção faz com que eu reconheça a boa intenção, mas não me encante nem um pouco, com certas exteriorizações pós-modernas do amor pelo filho, como o hábito de tatuar o nome dos pequenos no corpo ou o de escrever a cada minuto nas redes sociais que os ama. Tais gestos são sinceros, verdadeiros – atire a primeira pedra o pai ou a mãe que nunca fez algo parecido! – mas a meu ver absolutamente redundantes. Eles dizem que você ama seu filho, o que todos já sabem, mas não indicam em que esse amor fez você tornar-se uma pessoa melhor. Afinal, não implica grandes méritos nem requer grandes esforços gostar do filho e achá-lo o mais bonito. É amor, mas não amor (ágape) que age em prol do outro. No limite, tais gestos podem ser confundidos com narcisismo oco – e infelizmente, algumas vezes, são isso mesmo. 

sábado, 18 de janeiro de 2014

A Novela do Félix







Do ponto de vista estritamente moral, há mais coisas a se condenar em Camões, Dostoievski, Machado, Pound, Eliot e Céline do que na novela do Félix. O problema da novela do Félix é esquematismo óbvio do roteiro, que beira a incoerência algumas vezes; são as atuações pobremente caricatas e didáticas; é a encenação (mise-en-scène) pobre, material e simbolicamente falando; é a iluminação sem ênfase e às vezes até sem foco. Em suma, só vejo uma forma coerente de se criticar a novela do Félix: ela é esteticamente pobre. Mas ninguém é obrigado a viver diuturnamente nas alturas estéticas de um Bach e de um Shakespeare. Além disso, temos de lembrar que a elevação do nível cultural de um país não se concretiza por meio de canetadas ou de clamores moralistas. Sinceramente falando, acho esnobe a crítica moral da novela do Félix, ou de qualquer outra novela. Minha mãe, evangélica e de conduta moral exemplar, gosta dessa novela e continua sendo a mesma boa mãe e boa cidadã que ela sempre foi. E como ela há milhões de pessoas em todo o Brasil, que querem simplesmente relaxar com uma narrativa curiosa e engraçada – e a novela do Félix, malgrado suas limitações estéticas, é curiosa e engraçada.